Sempre exaltarei a qualidade do texto e do trabalho de Ruy Castro. E sempre disse, também, que ele é um tremendo mala. Porque ele é e sempre será. Claro que não pessoalmente --até porque nem o conheço. Mas por suas opiniões e generalizações, sempre preconceituosas, sobre gêneros musicais como o rock e o blues, em favor dos gêneros que reconhece como autênticos, como se isso fosse necessário. Mas quando o asssunto é exclusivamente a cultura reconhecida por ele, como por exemplo a Bossa Nova e suas consequências, aí tudo muda. Aí, sai de baixo! Aí vem o texto que faz tudo valer a pena. Quando se abre um livro como A Onda que se Ergueu no Mar (2001), assim como o indispensável Chega de Saudade (1990) (ambos da Companhia das Letras), dá pra se esquecer, fácil, aquelas mau-agourentas páginas que vez por outra nos jornais traziam estilos e artistas "ruins" colocados como vilões necessários à exaltação dos bons e válidos.
Parabéns ao Ruy Castro por me fazer voltar a este espaço, quase sempre esquecido, após ler nesse delicioso A Onda... um capítulo inteiro dedicado à relação atemporal (e restrita pelo próprio tempo) entre Tom e Noel.
Você sabia que Tom Jobim (1927-1994), para muitos o maior compositor brasileiro, e Noel Rosa (1910-1937), para mim o ser humano mais admirável que já viveu, nasceram pelas mãos do mesmo Dr. José Rodrigues da Graça Mello? Não foi por acaso: Noel nasceu na Vila Isabel, e Tom na Tijuca. Bairros vizinhos, no Rio.
Tom era um grande admirador de Noel, como a Bossa Nova toda poderia ter sido mais explicitamente, não fosse o Poeta da Vila adotado à sua revelia pelos detratores, inimigos (gratuitos?) do movimento, como exemplo da "pureza" do samba que a Bossa subverteria. Logo ele, Noel, um inventor de integrações inusitadas, e um dos renovadores do gênero Samba ao longo dos anos 30. Logo ele, o criador, em 1930, da nova definição para o termo bossa, importado das teorias da medicina para a cultura popular.
Meu muito estimado mala Ruy Castro conta como Tom, em 1991, adiciona novo brilho à obra original de Noel, usando as descobertas harmônicas de um mundo pós-Noel que o próprio Tom fizera. Como Tom admira a classuda composição "Três apitos" e a irônica "João Ninguém", as quais gravou para o CD do Songbook de Noel. E como poderia ter emprestado sua genialidade de arranjador e (por que não?) suas qualidades de intérprete a um álbum inteiro só com composições de Noel Rosa, se não fossem as limitações impostas por questões do mercado fonográfico. E conta ainda (isso pra mim é alarmante) como a inédita "Chuva de Vento", letra para embolada sem a música, poderia, apenas poderia ter sido musicada por Tom, tornando-se, naquele ano, uma parceria entre os dois gênios.
É, Ruy, ao ler páginas como essas e tantas outras, todo o recalque que identifico em momentos menos felizes (que são minoria) de sua escrita, até por ser recalque e de um aparente rancor bobo, apaga-se. E fica uma qualidade de texto e informação sublime, poucas vezes presente em literatura musical. Bem que poderia ser sempre assim.
sábado, 2 de janeiro de 2010
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