segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Let My People Go!

Hoje fomos ao Solo Sagrado da Igreja Messiânica, sul da Zona Sul de Sampa, para fazer um concerto especial do Madrigal VivArte, de nossa série negro spirituals. Às três da tarde, hora da apresentação, o público no auditório era o que se pode ter em um espetáculo desse tipo --afinal não se deve esperar, no Brasil, uma casa lotada numa apresentação de um grupo vocal acappella com repertório extraído das raízes da música popular americana. Mas era de se esperar o profundo interesse, envolvimento e comoção dos que se prestaram a ocupar a metade dos assentos. E houve. Sim, em parte houve. O espetáculo não é de cunho religioso, e sim artístico. Quem vai ao denominado Solo Sagrado, e vai em busca de paz de espírito, entra no auditório para ouvir música feita com paixão. Mas há exceções. Há os que não sabem o que estão fazendo quando entram em um auditório onde haverá um espetáculo de música. Que será que estes entendem por música?

Um dos momentos mais intensos do programa (e sem dúvida o mais tenso e comovente) é o solo de nosso baixo Valter Lellis no spititual "Take My Mother Home". Esta composição tradicional diz; "I think I heard him say when he was struggling up the hill / I think I heard him say, take my mother home / Then I'll die easy, take my mother home", reproduzindo a piedade de Jesus pela Mãe, do início ao fim do calvário. Não depende de a pessoa ser ou não religiosa --o drama, dentro da fábula, é sobre a vida, e capaz de arrancar a emoção, a reflexão, até do mais mesquinho mortal. Não depende de a pessoa entender inglês ou não --o intérprete não só descreve antes, passo a passo, o conteúdo da letra, como a "vive" além das palavras. Mas eu disse acima que havia exceções no nosso público, não disse? É inacreditável que três ou quatro pessoas se levantem e saiam do auditório, nitidamente por falta de interesse, durante uma digna interpretação de "Take My Mother Home". É impossível. Mas o impossível acontece. Se o espectador se retira em protesto, tudo bem! É direito dele não compreender que o objetivo do trabalho ali apresentado, por não ser religioso, não fere nenhum princípio. Não é o caso dessas exceções que vi, enquanto descansava minha voz para meu próprio solo (em "Ev'ry Time I Feel The Spirit"). O que pude ver estampado nas faces, ou melhor, nas costas das poucas pessoas que saíam, é que nosso público nunca estará preparado nem disposto a tomar posse de seu direito de absorver a cultura. Nem mesmo do direito de pensar...
A constatação mais pesarosa, ainda, é a de que na verdade as exceções não são os que saíam: são os que vão atrás da cultura, seja esta, essa ou aquela; são os que se permitem pensar.